quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Todo consumidor gosta de enganar em pesquisas

Para José Eustachio, presidente da agência Talent, é preciso saber fazer as perguntas certas e também interpretar as respostas

MARIANA BARBOSADE SÃO PAULO
As pesquisas de mercado continuam relevantes para informar as marcas e as agências. Mas é preciso saber como conduzi-las para extrair respostas sinceras.
"O consumidor gosta de enganar pesquisas", diz José Eustachio, 57, presidente da agência Talent. "Ele costuma dar as respostas que acredita que o entrevistador gostaria de ouvir, que são politicamente mais aceitáveis e que o promovam. Não é sincero."
Para Eustachio, que participou nesta segunda-feira (17) do Arena do Marketing, evento realizado pela Folha em parceria com a ESPM, o consumidor tende a mentir mais em pesquisas quantitativas "do tipo xizinho, com 5.000 pessoas, feitas em pé na avenida Paulista".
Mas, mesmo nas qualitativas, falta sinceridade e, para driblar isso, diz ele, é preciso saber fazer as perguntas certas e ter repertório para interpretar as respostas.
Contar com profissionais de sociologia e psicologia também pode ajudar a iluminar as respostas.
Para o professor Ismael Rocha, diretor acadêmico da ESPM-SP, que dividiu com Eustachio o palco do Arena, pesquisa "não é um corrimão", que te guia até a resposta. "Ela te abre um cenário. Daí a necessidade de repertório para os profissionais que leem as pesquisas", disse Rocha.
E esse repertório, na visão de Eustachio, constrói-se com curiosidade e cultura: "É preciso ler e ler de tudo. Não apenas livros de marketing. Não existe consumidor, mas pessoas. E você aprende muito sobre pessoas lendo livros".
EMOCIONAL
Com tantas marcas competindo pela atenção do consumidor, destacam-se aquelas que conseguem se relacionar com seu lado emocional. "As pessoas compram com a emoção. Não com a razão. Isso explica por que alguém que só anda na cidade compra um carrão para andar no mato."
Por isso, diz ele, a comunicação tem que seduzir. "Tem que ser uma verdade, mas apresentada de forma que encante. Não pode ser chato. As pessoas toleram qualquer coisa, menos os chatos."
Para Eustachio, o ser humano está o tempo todo em busca de compensações e suas escolhas como consumidor atendem a esse anseio.
"As pessoas compram para se sentir importantes, modernas, ricas ou até mais bonitas. É da natureza humana sempre buscar o prazer e fugir do desconforto", diz.
"Não é por acaso que há fila em restaurante e não para tomar vacina."
NENHUMA BRASTEMP
Durante o bate-papo, Eustachio contou os bastidores de um dos bordões mais famosos da agência, que entrou para o repertório popular: "Não é, assim, nenhuma Brastemp".
A frase surgiu após pesquisas com consumidores.
No início dos anos 1990, a fabricante de eletrodomésticos estava sofrendo concorrência de preço.
A marca procurou a Talent para fazer uma campanha que mostrasse que seus produtos eram diferentes.
A agência foi então a campo e entrevistou um grupo de consumidores que havia comprado Brastemp e outro que comprara produtos de concorrentes.
"Descobrimos que a marca era percebida como sendo de qualidade pelos dois grupos. Mas quem tinha comprado falava orgulhoso: comprei uma Brastemp. Quem havia comprado outra marca quase que pedia desculpas por não ter comprado Brastemp. Uma dizia: Foi meu marido que comprou, nem me perguntou'."
Desse insight, contou o executivo, surgiu a ideia de fazer uma campanha humorada falando do "consumidor envergonhado".
Agência que se destaca pelo relacionamento de longo prazo com clientes, a Talent assina campanhas que ficam bastante tempo no ar, como "o mundo é dos NETs" e "Passa lá no Posto Ipiranga".
"Trabalhamos com poucos clientes --16, quando agências do mesmo porte têm cerca de 30-- para podermos dedicar tempo para cada um deles", diz Eustachio.
O Arena é realizado mensalmente no estúdio de rádio da ESPM em SP, com transmissão ao vivo pela internet. Folha, 19.11.2014.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Ainda é incerto modelo de negócios da comunicação

ARENA DO MARKETING - ALEXANDRE GAMA

Primeiro brasileiro a assumir o criativo de uma rede global diz que sua meta hoje é fortalecer as lideranças locais

MARIANA BARBOSADE SÃO PAULO
Quando a Publicis adquiriu a rede inglesa BBH e a agência brasileira Neogama/BBH, há dois anos, o publicitário Alexandre Gama foi alçado a líder criativo global da rede --tornando-se o primeiro brasileiro a assumir o posto em uma rede mundial.
"Meu trabalho tem sido tornar as lideranças locais fortes localmente", diz Gama, que foi entrevistado nesta segunda-feira (25) no Arena do Marketing, evento organizado pela Folha em parceria com a faculdade ESPM.
"Procuramos fazer um intercâmbio das ideias criativas de cada um dos sete escritórios da rede no mundo. Mas não interfiro no trabalho local. Dou as metas e critérios de qualidade e desafio os criativos locais a manter a barra alta."
Gama diz que segue próximo da criação na agência brasileira, apesar do cargo global. "Quando você se distancia da sua atividade principal ao exercer um cargo superior, é como uma queda para o alto", diz ele, que hoje busca inspiração em música, videoarte e novas tecnologias.
"O acesso que a tecnologia tem dado a formas de expressão é incrível e muito inspirador. Para quem passou a vida fazendo vídeos, ouvir de um filho que você não sabe fazer um vine' [serviço de criação e compartilhamento de vídeos curtos lançado pelo Twitter] de 6 segundos é muito revelador."
Gama assina campanhas famosas como a dos homens azuis da TIM ou o vídeo "Gigante", para a marca de uísque Johnny Walker.
INCERTEZAS
As transformações provocadas pela internet na indústria da comunicação geram ainda muita incerteza, na visão do publicitário.
"Respeito muito a rede. Decifra-me ou te devoro. Mas não está claro qual o modelo de negócio que vai prevalecer para financiar a comunicação on-line. Ainda está todo mundo tateando."
Gama diz que as incertezas atingem não apenas as agências tradicionais, mas também aquelas que nasceram no mundo digital. "Tem muita agência digital criando uma divisão off-line para se viabilizar financeiramente."
Na sua opinião, a comunicação vai precisar "mudar mais profundamente" para poder se adaptar.
"Há uma pressão grande por baixar custos, mas pouca pressão para gerar mais valor. Claro que custo é que nem cabelo, você tem sempre que cortar. Mas tem uma hora em que você tem que estar do lado de quem planta."
Para Gama, o fato de a publicidade estar incluída no balanço das empresas na coluna de gastos, e não na de investimento, é erro.
"Toda vez, quando o ano acaba, a conversa é a mesma, precisamos conversar sobre custos. É covardia tentar resolver a produtividade só pelo lado do custo."
Na sua visão, a criatividade da propaganda brasileira, reconhecida mundialmente, tem origem em uma deficiência da indústria cultural nacional. "A propaganda brasileira foi a trincheira cultural do Brasil por muito tempo", diz. "Não havia mercado de trabalho para escritores, cineastas, artistas plásticos, e essas pessoas foram parar na redação das agências."
Embora acredite que a publicidade brasileira segue em destaque em termos de criatividade, Gama vê limitações em termos de linguagem. "A publicidade acompanha o que acontece na sociedade. Na Europa, a comunicação das marcas vai no sentido de menos empurrar e mais atrair. Mesmo na comunicação do varejo. Também há uma agressividade, mas é diferente. Fala-se menos, é muito mais visual e conceitual." Folha, 27.08.2014.
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terça-feira, 5 de agosto de 2014

Vento Nordeste

NIZAN GUANAES

Se o Brasil perdeu brilho e fôlego em algumas regiões, ele permanece reluzente nos Estados nordestinos

O que acontece no Nordeste às vezes fica no Nordeste. Por isso é importante ir lá explorar esse grande "país" de mais de 50 milhões de habitantes e PIB que cresceu 4% nos cinco primeiros meses do ano, ante menos de 1% da média nacional.
Os nordestinos ajudaram a construir São Paulo e agora estão desenvolvendo o Nordeste. Em dez anos, a renda média do nordestino teve cerca de 30% de aumento real. A região é uma das mais beneficiadas pelo forte aumento do salário mínimo e pela expansão dos programas sociais e distributivos.
Essa nova realidade ainda está longe de esgotar seus impactos socioeconômicos. O desalento que se percebe em círculos sudestinos não é percebido nos nordestinos. Muitas empresas estão de olho na região, principalmente o varejo.
O bom de o Brasil ser um país continental é que permite às nossas empresas diversificar geograficamente sem mudar de país. Se o novo Brasil perdeu brilho e fôlego em algumas regiões, ele permanece reluzente nos Estados nordestinos. Inclusive no Nordeste profundo, dada a grande penetração do salário mínimo e dos programas sociais.
Enquanto as previsões de crescimento para a economia brasileira em 2014 estão perto de 1%, para o Nordeste passam de 2%. E o Sudeste neste ano, pela primeira vez na história, deixará de concentrar mais da metade do consumo nacional.
As grandes deficiências nordestinas, que persistem e ainda dão o tom, servem como mapa do caminho. Não dá mais para esperar pela melhora dos serviços públicos essenciais, educação de qualidade incluída, ao custo de perdermos mais gerações.
As taxas de homicídio nas grandes cidades nordestinas, por exemplo, são aterrorizantes e devem ser enfrentadas como calamidade pública regional.
Avançamos muito nos últimos 20 anos, mas ainda vivemos um momento desafiador e cheio de oportunidades. O momento em que as pessoas crescem e ficam mais exigentes.
Salvador, por exemplo, depois de anos largada, ganhou novo vigor com a chegada de ACM Neto à prefeitura. Eu estava muito preocupado com a cidade, patrimônio nacional e universal. Ela passou por um processo de esvaziamento e engarrafamento. Perdeu a beleza que sempre fez dela uma cidade tão especial. Mas está lutando de volta, reencontrando suas vocações no século 21. Que virão de seu DNA de cultura, de turismo, de comércio.
Não podemos desperdiçar esse impulso econômico que empurra o Nordeste. Devemos torná-lo sustentável e fazê-lo transformador. Precisamos incentivar o empreendedorismo nato do nordestino. O sucesso na região não pode ser só o emprego público. É preciso dar um salto aspiracional.
A economia nordestina já está mais diversificada, com novos polos industriais e de agronegócio, novas regiões turísticas, nova infraestrutura e mão de obra mais qualificada.
Mas é pouco contra os velhos problemas. É preciso fazer um trabalho, que é nacional, para desenvolver o setor de serviços e modernizar o ambiente de negócios a fim de estimular o empreendedorismo e a inovação.
Quando o Nordeste encontrar seu caminho, o Brasil terá encontrado seu caminho.
O professor de Harvard Roberto Mangabeira Unger publicou um trabalho em 2009, quando era secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, chamado "O Desenvolvimento do Nordeste como Programa Nacional", disponível na web.
Mangabeira partiu de duas premissas para elaborar suas propostas: 1) Não há solução para o Brasil que não passe por uma solução para o Nordeste --a região concentra um quarto da população brasileira e grande parte dos bolsões de pobreza e subdesenvolvimento do país; 2) Falta um projeto nacional para o Nordeste.
O Nordeste precisa de um planejamento estratégico que leve em consideração as vocações de cada Estado e as vocações comuns que eles têm entre si.
Neste início de corrida eleitoral, o Nordeste precisa ser tema nacional e estadual. Como não podia deixar de ser, a política também está mudando na região.Folha, 05.ago.2014

quinta-feira, 17 de abril de 2014

JORNALISTAS: Ranking de impunidade tem Síria em 5º e Brasil em 11º

A Síria está em quinto no ranking de países onde jornalistas são mortos e os responsáveis não são punidos, informou o Comitê para a Proteção dos Jornalistas. O Iraque lidera a lista, que traz o Brasil em 11º lugar.

    terça-feira, 15 de abril de 2014

    NIZAN GUANAES: Ouvido social


    Os consumidores não só estão falando pelas marcas como estão sendo escutados por elas
    Costumo dizer que tudo o que ofende o consumidor recebe a penalidade máxima, que é o desprezo do consumidor. Se isso era verdade no século 20, é muito mais verdade neste século 21.
    As marcas estão cada vez mais nas mãos dos consumidores.
    Eles não só estão falando pelas marcas como estão sendo escutados por elas. É o que os americanos chamam de "social listening".
    Não só é preciso como também é cada vez mais possível ouvir a polifonia social em relação ao seu produto e à sua marca. O feedback é incalculável. Toneladas de informações são despejadas todos os dias nas mídias sociais --jazidas imensas e renováveis que estão sendo crescentemente garimpadas para direcionar vendas, produção e marketing.
    Grandes marcas globais já lançaram produtos baseados nesse tipo de interação. Elas hoje têm formas muito mais eficientes e rápidas de coletar e analisar o pensamento dos seus consumidores espalhados pelo mundo para determinar o desenvolvimento de novos produtos e readequar os já disponíveis no mercado.
    Pesquisa recente nos EUA aponta que o uso de mídia social na criação de novos produtos cortou custos e reduziu o tempo de elaboração e lançamento. A pesquisa revelou ainda que os produtos produzidos dessa forma ganharam mais mercado e mais aceitação dos clientes.
    Os "focus groups" (grupos focais), que foram criados na Universidade Columbia, em Nova York, e se espalharam pelo mundo décadas atrás, sempre mostraram seu valor na aquisição de conhecimento de mercado. Até hoje, eles consistem basicamente na reunião de um grupo de pessoas representativas do setor que se quer pesquisar ao qual é submetida lista de perguntas sobre percepções, opiniões e atitudes em relação a um determinado produto, serviço ou conceito.
    Os participantes desses grupos estão livres para dar suas ideias e trocar opiniões com os outros. Mas formam um universo muito limitado em números de pessoas e estão sempre guiados pelas perguntas do entrevistador/moderador do encontro.
    Essas entrevistas guiadas seguirão tendo seu valor. Mas agora existe um turbilhão de registros espontâneos sobre as marcas e os produtos espalhados da forma mais abrangente possível pela sociedade consumidora em termos de demografia, renda e geografia.
    É muita informação, ubíqua e intermitente. No Brasil, ela é ainda mais valiosa que em mercados já maduros porque aqui há muito mais para ser compreendido.
    O mercado brasileiro ganhou dezenas de milhões de novos consumidores nos últimos anos, um avanço que não deve ser subestimado e que veio para ficar.
    É um novo consumidor, mas ele não é novo por igual. Não existe só uma nova classe média. O novo consumidor da Amazônia quer produtos diferentes do novo consumidor do Nordeste, que quer produtos diferentes do novo consumidor do Sudeste e assim por diante. As empresas que entenderem (ouvirem) primeiro seus desejos, suas diferenças e também suas semelhanças terão mais luz no caminho.
    Esse movimento em direção ao consumidor (na economia) e ao cidadão (na política) é global.
    Os EUA, maior economia do mundo, sempre foram o símbolo de país movido por consumo. Agora a segunda economia do mundo, a China, reorienta sua economia nessa direção. O modelo de crescimento chinês baseado em exportações, produção e investimentos atingiu seus limites e é reorientado para o consumo pelo próprio Partido Comunista.
    O Brasil está nessa há muitos anos. Os economistas, aliás, dizem que essa corda já esticou demais e que agora precisamos crescer via investimentos e produtividadeAssim seja. Mas as dezenas de trimestres em que o consumo das famílias avançou no país deixaram como legado um mercado consumidor muito maior, mais diversificado e mais exigente.
    Precisamos ouvi-lo em todos os níveis. As ferramentas estão aí.
    O Brasil sempre teve ouvido musical. Agora precisa de ouvido social.
    Folha, 15.04.2014

    Pulitzer premia série sobre esquema de espionagem nos EUA: Principal prêmio para o jornalismo no mundo foi para o britânico "Guardian" e o americano "Washington Post"

    Ambos basearam suas reportagens em material vazado pelo ex-técnico de segurança Snowden, hoje exilado na Rússia
    ISABEL FLECKDE NOVA YORK
    A série de reportagens que revelou o amplo esquema de espionagem do governo americano por meio da Agência de Segurança Nacional (NSA) deu ao jornal britânico "The Guardian" e ao americano "The Washington Post" o Pulitzer, o mais prestigiado prêmio de jornalismo do mundo.
    Segundo a Universidade Columbia, responsável pela premiação, a cobertura dos jornais "estimulou um debate sobre a relação entre o governo e o público em temas de segurança e privacidade".
    "As reportagens foram além de documentos vazados. Vivemos momentos desafiadores para o jornalismo, mas os vencedores são exemplos do bom jornalismo praticado no país", declarou o administrador do Pulitzer, Sig Gissler.
    O ex-técnico da NSA Edward Snowden, que vazou os documentos para o jornalista americano Glenn Greenwald e está asilado na Rússia, disse, em nota, que o prêmio é um "reconhecimento para os que acreditam que o povo tem um papel no governo".
    "Devemos isso aos esforços dos bravos repórteres, que continuaram trabalhando, mesmo sob enorme intimidação, incluindo a destruição forçada de materiais jornalísticos e o uso inadequado de leis de terrorismo", afirmou Snowden.
    Segundo Gissler, o nome de Greenwald não foi citado por essa ser a única das 14 categorias em que o prêmio é dado aos jornais, e não aos repórteres.
    Greenwald, que mora no Brasil, chegou a Nova York na sexta passada --em sua primeira viagem aos EUA após a publicação das reportagens-- para a entrega do Prêmio George Polk, também de jornalismo, pela série da NSA. Em outubro, Greenwald deixou o "Guardian".
    A editora-chefe do "Guardian" nos EUA, Janine Gibson, disse, por e-mail, estar grata pelo reconhecimento, após "um ano intenso e exaustivo", de que o trabalho realizado representa "uma grande realização para o serviço público".
    Por ser um prêmio destinado a organizações americanas ou com sede nos EUA, o Pulitzer foi dado à sede do "Guardian" em Nova York.
    Para o editor executivo do "Washington Post", Martin Baron, os jurados "reconheceram que essa era uma história extremamente importante, mas também especialmente sensível e difícil".
    Entre os livros, a escritora americana Donna Tartt, 50, levou o prêmio de melhor ficção, por "The Goldfinch". Com 784 páginas, o livro foi descrito pelo júri como "um romance sobre envelhecimento escrito de maneira bela, que estimula a mente e toca o coração". O romance sai no Brasil em setembro, pela Companhia das Letras.
    Folha, 15.04.2014

    quarta-feira, 9 de abril de 2014

    CRÍTICA DOCUMENTÁRIO/É TUDO VERDADE: Filme expõe inquietações permanentes do jornalismo


    O DIRETOR JORGE FURTADO CRITICA REPORTAGENS E FAZ UM ÁCIDO PAINEL DA PRODUÇÃO DE NOTÍCIAS
    ELEONORA DE LUCENADE SÃO PAULO
    Para que serve o jornalismo? Quais são os interesses subterrâneos numa notícia? Existe a tal neutralidade? Qual o poder da publicidade nos veículos? A internet vai acabar com os jornais impressos? Qual a força dos blogs?
    Inquietações permanentes e dúvidas mais recentes sobre o jornalismo são o foco de "O Mercado de Notícias", documentário de Jorge Furtado. Para tratar do tema, ele colheu depoimentos de 13 jornalistas e encenou uma peça teatral de 1625.
    A comédia "The Staple of News" [o mercado de notícias, em tradução livre] é do dramaturgo inglês Ben Jonson (1572-1637), contemporâneo de William Shakespeare. Aborda com ironia o jornalismo, exposto como um negócio no nascente capitalismo.
    Cenas dessa sátira servem de fio condutor e são intercaladas por entrevistas com jornalistas como Janio de Freitas, Mino Carta, Luis Nassif, Geneton Moraes Neto, Fernando Rodrigues, Raimundo Pereira e Renata Lo Prete.
    Ética, inclinações políticas, interesses empresariais, falhas de apuração, erros: vários são os pontos analisados pelos profissionais. O cineasta critica reportagens, inclusive da Folha. O resultado é um ácido painel da produção de notícias, um reconhecimento das limitações e dos desafios da profissão.
    Os depoimentos percorrem temas como relações entre repórteres e fontes de informação, pressões políticas e de editores, arrogâncias, sensacionalismos, afoitezas, distorções de edição.
    Furtado pincela alguns tópicos da história geral do jornalismo, mas seu alvo são as vicissitudes atuais, que, de resto, expõem as questões de fundo que movem o trabalho.
    Rapidamente, o documentário fala da imprensa antes do golpe de 1964 --quando os jornais tinham nítidas colorações políticas-- e da sua adesão ao regime ditatorial.
    Entrevistados enxergam hoje em posições da mídia contra o governo do PT um inconformismo das elites e uma expressão da luta de classes. Entra no debate o conceito de Millôr Fernandes, para quem jornalismo é oposição; o resto é armazém de secos e molhados.
    A força dos anúncios nos meios também é enfocada. De um lado, aparecem críticas ao uso da publicidade oficial. De outro, surge o argumento de que, como empresas capitalistas, os jornais são editados essencialmente para conter publicidade.
    A discussão sobre o impacto da internet fica em aberto: ninguém se arrisca a fazer previsões firmes sobre modelos de negócios e novas fórmulas de cobertura. Janio de Freitas afirma: "A culpa está nos jornais, não na internet". Para ele, "o jornalismo depende dos jornalistas".
    Folha, 09.04.2014

     
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